segunda-feira, 27 de junho de 2011

Balé dos Afogados



Ainda lembro das histórias do sertão onde minha avó morava, todas as noites os mais velhos contavam histórias para crianças. Com uma riqueza de detalhes e sons que só eles sabiam fazer, sempre se utilizavam dessas histórias pra ensinar a meus primos e a mim o que não se deveria fazer. Lembro de uma em especial, que me tirou o sono, durante algum tempo, contava a história de uma parente distante de uma amiga dos meus avós, que de tão distante já nem lembrava do nome, só sabia que se tratava de uma moça.
Uma jovem melancólica, que tinha ficado viúva cedo, por casar com um rapaz “disgo” (somente entendi que essa palavra designava uma pessoa com tuberculose anos depois). O fato é que essa jovem não teve muita sorte na vida, os pais a fizeram casar com alguém que ela só conhecia de sobrenome, porque era uma das coisas que a mãe dela mais ressaltava. Era uma moça tímida, discreta e de uma voz quase que silenciada pelo tom que pronunciava as palavras, submissa ao destino que lhe foi imposto, só lhe restou casar, foi morar com o dito jovem, de pele pálida demais, a amiga da vovó dizia que se ele não caminhasse e falasse, qualquer um diria que já estava morto.
            Foram morar numa fazenda da família do rapaz, em Santa Luzia, a fazenda era tão grande como o sobrenome da família do rapaz, de peso e importância, cabeças de gado a perder de vista, e muitos empregados para servi-los. A jovem, a qual não sei o nome e prefiro que continue anônima, permanecia tímida e melancólica, nem mesmo aos empregados tinha coragem de dar ordens quando o marido não estava, a única coisa que mais fazia era ficar no alpendre observando o pasto, a espera de alguma que coisa que nunca veio, nunca se soube o que era que ela tanto esperava, já que possuía uma discrição digna de uma moça de família. As cozinheiras que dormiam no quarto próxima ao do casal, costumavam dizer que de noite somente escutavam os gemidos do patrão no auge de sua excitação, nem mesmo na hora de maior intimidade ela se mostrava, parece que se recusava a sentir prazer, mas essa parte da história me foi contada por um primo que estava a escutar a conversa dos mais velhos a um tempo, na nossa presença sempre pulavam essas partes, como se não víssemos como os cachorros faziam.
            Mas o casamento não durou muito, apenas 5 meses, 2 dias e 6 horas, foi o tempo que levou para que a jovem ficasse viúva. Diziam que ela não chorou, mas olhava com carinho para o marido morto, talvez ela nunca tenha de fato tido uma conversa com ele, porque só falava o que era estritamente necessário. Por dias os empregados não a viam sair do quarto, seu café da manhã, almoço e jantar eram levados pra lá mesmo, nem mesmo seu hábito de ficar no alpendre ela fazia, no fundo ela sofreu por não ter chorado por aquele estranho íntimo, com quem não dividia palavras ou segredos, mas que os corpos se consumiam como qualquer casal que se pretende ficar junto. Era uma daquelas moças que nasceram para ficar na solidão.
            Na manhã de domingo, que dizem que o tempo fica parado, ela saiu sem que ninguém percebesse, de fato ela possuía uma leveza que abafava o som de seus passos, e no entardecer a empregada vai ao seu quarto deixar, como de costume, o lanche, mas ela não estava no quarto. A empregada chamou os homens da fazenda para procurarem a patroa. A encontraram na manhã de segunda boiando no rio que cortava a fazenda, um dos trabalhadores da fazenda e a cozinheira a acharam, falaram que ela estava linda e pela primeira fez tinha uma expressão de vida, apesar do horror que deve ser uma pessoa se afogando, ela estava com uma bailarina, com os braços boiando, com uma expressão suave de quem esta tendo um sonho maravilhoso, ela era balançada suavemente pela correnteza do rio no balé dos afogados, assim falava minha avó. Muitos foram as hipóteses sobre as causas do suicídio, mas nunca souberam ao certo o porque e nem o que ela tanto esperava no alpendre, só se sabe que nunca veio, alguns supõem que quando casou estava apaixonada por outro rapaz, e logo sentenciaram “morreu de amor”, mas como era discreta mesmo na hora da morte, não deixou carta, bilhete ou coisa que valha, levou para o túmulo seu segredo.
*Ilustração de Lisbeth Zwerger

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